E se meu corpo se expandisse para além dos limites da pele
Se ele se espalhasse para além do limite dos olhos...
[do apetite dos olhos
De tais olhos que não mais distinguem o que é corpo humano
[do que é estátua
O que é vivo do que é pintura em óleo
O que é pele do que é fixidez do mármore
E se
nenhuma roupa lhe desse
mais caimento.
À vontade pela ruaPor onde poderia caminhar meu corpo?
Minha mente o acompanharia?
E seria quem a extensão de quem?
Se o
corpo fala:
por onde
ele grita...
por
onde suplicapor onde ele chama quando quer colo
E se fala, quando ele se cala
Quando canta
O corpo
antes da roupa...
O corpo
antes da nomeaçãoO corpo de dentro, o corpo de fora
O corpo que sente
O corpo que é visto...
E quanto ao corpo
enrijecido
pela falta de outro
corpo:
Atrofiado, encouraçado... mudo!Mudo na rigidez dos musculos
E em atrofias de gestos, e falta de música.
Se o
corpo verdadeiramente fala, quando
é que
ele mente.
Se é
que para
ele é
possível mentir!
O comprimento das mãos fechadas de um homem é igual à sua desventura
O comprimento da orelha é um terço do disfarce.
E as
palavras,
que como
pedras lançadas,
esfolam os corpos
que não
cabem nas vitrines
vivas dos slogans [fixos, exatos
[rígidos, regulados
Que escoriam a pele dos corpos que não se enquadram
[nas explicações precisas,
[determinadas e estáticas.
E os
corpos obedientes,
submissos...
plásticos,
construídos
nas linhas
de produção
Que adestrados curvam-se facilmente para caberem...
[estrangulados e asfixiados
nos horizontes de curto prazo das grifes em qualquer estação
E os
corpos livres de moldes:
versos brancos fluxo de consciência livre associação
A bailarina
A estátua
E os
corpos seriados e impessoais
das multidões!
Que vem, e que vãoE que se esbarram, e não olham para trás
E se
todo corpo fosse apenas corpo.
Sem mas.Sem porém.
Sem pergunta.
O corpo
que não
mais pulsa:
Sem contato, sem movimento!Para quem ele ainda é corpo?
Para quem ele ainda pulsa?
E os
corpos dos meninos
e meninas
mutilados
nos sisais!?
Dos meninos e
meninas explorados nas esquinas e nos
faróis!?
O corpo
erra?
O corpo peca?
E os
corpos dos Severinos
que ressecam
nos sertões?
Corpos da sede e da
seca!E os corpos da Etiópia?
Da Etiópia da África,
e de todas as Etiópias do mundo
Corpos da miséria e da fome!
... das moscas que por ali rodeiam
E os corpos dos que tomam sol nas férias de verão?
O que
cultua o culto
ao corpo(?)
O corpo
A almaO corpo, a arma.
A meta.
O
alvo. O escudo.
Qual roupa veste a alma?
Do que é feita a tecitura do seu tecido.
Qual roupa veste a alma?
Do que é feita a tecitura do seu tecido.
E os
corpos amordaçados,
torturados
e mortos
E os
corpos dos amantes
e todo o seu improviso espontâneoOs corpos que aos milhares compartilharam as valas comuns
E os corpos que quando dançam quase levitam
E o que dizer sobre os corpos que nas calçadas se enfileiram
[cobertos de sereno,
[coberto de outono
E sobre os corpos dos desaparecidos que há muito já adormeceram
O que dizer?
A quem
interessa
os segredos
da Vitória?
Quando o corpo
se tornou
um mal
entendido
E quando
toda nudez começou a ser
castigadaA lágrima é o sentir que não mais cabe no corpo?
Quando o corpo se tornou um perseguido, um fugitivo
[um prisioneiro
Deixa caminhar
Dexa dançar
o corpo
simples e absoluto
guardado antes das definiçõesO corpo em estado de metáfora
O corpo inteiro
De corpo e alma
O corpo polissêmico
Falto de dicotomias
Sem nó
Todo corpo nasce núDedicado a José Ângelo Gaiarsa
Poema
elaborado para avaliação parcial da disciplina "Corpo, Cultura e Linguagem", da Universidade Federal de São
Paulo, Campus Guarulhos, sob a orientação da Profa Dra
Fernanda Miranda Cruz.